quarta-feira, 3 de novembro de 2010

5º e 6º Capítulo

5 - Conhecendo

  Quando estávamos cansadíssimos de tanto ensaiar, ele decidiu ir embora.
  - Pense naquilo que eu te falei. - ele disse me abraçando.
  Apenas concordei com um aceno de cabeça. Ele foi embora.
  Deitei na cama e tentei colocar a cabeça no lugar.
  Dormi, remoendo um monte de coisas dentro da minha cabeça.

  Hoje eu não tinha nenhum compromisso. - graças a Deus! - Terminei a peça que eu estava escrevendo há quase um mês. - muita coisa na cabeça.
  A campainha tocou. Mas quando fui atender, era só o entregador trazendo um pacote para mim. Assinei, paguei e voltei para o sofá.
  Quem será que me mandou esse pacote? O que tem nele?
  Você só vai saber se abrir, Alice.
  Abri. Era uma caixa de bombons, e tinha um bilhete junto. Li em voz alta:
  - Espero que não dê um ataque e diga que está de dieta. - ri - Vou chegar um pouco atrasado para o nosso ensaio, espero que não se importe. Preciso comprar uma coisa para você! E não adianta perguntar o que é, por que eu não ia escrever no bilhete! - ele e seu jeito - Vou sentir saudades! Eu te amo! Fábio.
  Dobrei o bilhete e coloquei no bolso da minha calça. E decidi que ia dividir a caixa de bombons com ele.
  Ele chegou uma hora e meia, depois do horário que sempre chegava.
  - Demorei?
  - Digamos que eu fiquei aqui sozinha. Sem minha filha. Minha mãe lá em Seattle...
  - Tudo bem, eu demorei!
  - Demorou!
  - Mas em compensação, seu presente está aqui!
  - Vai me contar o que é?
  - Não. Você vai abrir.
  Ele me entregou um pacote pesado, embrulhado para presente.
  - O que tem aqui? Chumbo?
  - Não. É só abrir que você vai saber por que é tão pesado.
  Sentamos no sofá e eu abri: era uma enorme coleção de livros.
  - Machado de Assis. Aluísio Azevedo. Joaquim Manuel de Macedo. Paulo Coelho e muitos outros.
  - Eu adorei! Obrigada!
  - Gostou mesmo?
  - É claro! - o abracei.
  Ele ficou meio confuso com meu abraço, mas aceitou.
  - Pronto para começar o ensaio?
  - Pronto!
  Ensaiamos até ficarmos enjoados de todas as falas.
  - Parece que vamos ter que começar a gravar esse filme logo, senão vamos morrer de tédio.
  - É.
  Ele olhou para o meu rádio e a enorme quantidade de CDs que eu tinha.
  - Que tipo de música tem por aqui? - ele se levantou e começou a olhá-los.
  - Principalmente clássicos.
  - Mozart?
  - Também.
  - Hum. - disse colocando um CD no rádio - Me dá o prazer dessa dança, senhorita?
  - Com muito prazer cavalheiro. - comecei a rir sem parar.
  - Estou falando sério.
  - Eu também!
  Ele pegou minha mão e me conduziu até o meio da sala.
  - Sabe dançar, ó bela senhorita?
  - Perfeitamente, cavalheiro.
  Ele colocou minha mão em seu ombro, colocou sua mão na minha cintura, com a outra pegou minha mão livre e me puxou para perto. Enterrei meu rosto na sua roupa para ele não ver como eu estava vermelha.
  - Não pise no meu pé. - me avisou.
  Eu sorri e pisei bem forte no peito do pé dele.
  - Ai! Adoro mulher desobediente. Continue assim.
  - Ah é?
  - Sim.
  - Então vou ser muito obediente de agora em diante.
  - Está sendo desobediente de novo!
  Cara? Quando ele vai deixar de me fazer parecer uma boba? Eu parecia estar no jardim da infância para não sacar essa.
  - Melhore um pouco essa sua expressão. Parece que está quase sendo empurrada a beira de um precipício, Alice.
  - É da minha natureza, minha mãe sempre tem essa expressão.
  - Eu não tinha visto essa expressão no seu rosto até agora.
  - Por que até agora, você não me chamou para dançar.
  - Isso te incomoda?
  - Não. É só que você escolheu um CD que eu nunca ouvi, minha mãe o deixou ali faz meses.
  - Ela tem bom gosto.
  - Isso é verdade.
  De repente passou para outra música.
  - O que você gosta de comer? - perguntou.
  - De tudo um pouco.
  - O que você gosta de fazer?
  - Ler livros, assistir filmes, escrever peças e conversar com minha filha.
  - Quais tipos de filmes?
  - Romances e terror!
  - Nossa! E livros?
  - Todos.
  - Gosta de morar aqui no Rio de Janeiro?
  - Fora as violências, eu gosto do Rio.
  - Morou em quais lugares?
  - No Brasil só em São Paulo e Curitiba. Morei em Seattle com minha mãe até meus dezoito anos, em Miami, Nova York, São Francisco e Londres.
  - Você se muda com freqüência.
  - Mas, agora, pretendo ficar no Rio por um tempo bem maior. Terminar o filme que nem começamos ver se alguma das minhas peças vai para o teatro, além do mais, a Emily conseguiu fazer muitos amigos por aqui. - suspirei - Apesar de ela estar meio rebelde ultimamente.
  - Coisas de adolescente, aposto que eu era pior.
  - É de se imaginar, você adolescente.
  - Eu era bem rebelde.
  - Disso eu não duvido.
  - E você? Como você era na adolescência?
  - Eu era bem tranqüila, não dava trabalho, mas...
  - Quando chega esse “mas” é por que lá vem bomba.
  - Mas quando havia festas com os amigos, ninguém me segurava. Meu pai ficava louco. - suspirei.
  Ele olhou no meu rosto.
  - Seu pai está feliz aonde quer que esteja. Sempre tenha consciência disso.
  - É. - encostei meu rosto no seu ombro para não chorar.
  - Qual é a sua cor preferida?
  - Não tenho uma cor preferida, gosto das cores bonitas.
  - Fruta?
  - Que me faça bem.
  - Filme?
  - Um Amor Para Recordar.
  - Assisti esse!
  - Eu choro até me acabar.
  - Mas que exagero.
  - Sou meio “sensível” quando assisto filmes.
  - Até que eu suporto bem.
  - Você é homem!
  - Homens também choram.
  - Você é um desses?
  - Talvez. Mas só choro quando estou realmente triste, chateado.
  - Então você não é um desses. Você é o homem que se faz de forte, mas no fundo fica todo emocionado.
  - Na mosca!
  Outra música começou a tocar.
  Ele encostou o rosto no meu pescoço.
  - Como é incrível - começou - esse sentimento.
  - Qual? - perguntei apesar de saber muito bem do que ele estava falando.
  - O amor! Qual mais?
  - A alegria, a tristeza, a amizade, existem tantos, quer que eu te fale todos?
  - Não. Para mim só o amor importa. Impossível de descrever e impossível de esquecer. - ele colocou minhas duas mãos nos seus ombros e colocou as suas mãos na minha cintura.
  - É melhor encerrar esse assunto por aqui.
  Ele concordou sem dizer mais nada.

6 - Conversa

  - Eu ainda não comi os bombons. - peguei a caixa - Quer dividir comigo?
  - Só por que eu sou louco por chocolate?
  - Também.
  Pela primeira vez, olhei no relógio.
  - Já são onze horas, aonde será que está a Emily? Ela nunca ficou fora até tão tarde.
  Decidi esperar mais um pouco. - deu meia noite e ela ainda não tinha chegado - Me desesperei e comecei a ligar para todas as amigas dela, mas ninguém sabia onde ela estava.
  - Onde está a minha filha? - comecei a chorar.
  - Fique calma, ela vai aparecer.
  Liguei para todas as pessoas possíveis que podiam estar com ela. Nada.
  - Ai meu Deus! Já é quase uma hora da manhã. Onde ela pode estar?
  De tanto desespero, comecei a tremer, chorar e soluçar, tudo ao mesmo tempo.
  Quando eu estava prestes a sair pela cidade atrás dela, ela apareceu com um menino.
  - Emily! Onde você estava? Você sabe o estado que você me deixou? E quem é ele?
  - Esse é o Thomas.
  - Onde vocês estavam até agora? - eu ainda continuava a chorar, mas deixei o tom da minha voz, baixo.
  - Eu não saí com motorista, não encontrei nenhum táxi, e não tinha nenhum ônibus, então ele me trouxe.
  - Onde vocês estavam até agora?
  - Relaxe, mãe.
  - COMO QUE VOCÊ QUER QUE EU RELAXE? VOCÊ SAI, NÃO DÁ NOTÍCIAS E AINDA QUER QUE EU RELAXE? - me virei para o garoto - E você garoto?
  - Eu sou Thomas Carvalho. - ele pegou minha mão e a beijou.
  - Pelo menos é educado. - observei - Você pode me contar onde estavam ou vou ter que começar a gritar? - agora eu não soluçava, mas continuava a chorar.
  - Não precisa se preocupar, ela estava comigo lá em casa, com minha mãe e meu pai. - ele olhou para ela.
  - Vocês estão juntos?
  - Eu gosto muito da sua filha, senhora. Ela parece gostar de mim também. Estamos namorando.
  Virei e olhei para a Emily.
  - Por que não me contou?
  Ela não respondeu.
  - Por que não me contou?
  - Por que eu fiquei com medo de você brigar comigo. Conheço de cor seus discursos sobre namorados.
  - Você sabe que pode confiar em mim.
  - Olhe. Eu a trouxe aqui. Foi um prazer conhecê-la, senhora, mas meu pai está lá fora me esperando. - disse Thomas indo até a porta.
  - Tudo bem. Foi um prazer te conhecer também.
  E ele foi embora.
  Olhei seriamente para a Emily.
  - Você tem idéia de como eu fiquei desesperada?
  - Você sempre me deixou sair.
  - Até a essa hora?
  - Eu já te expliquei...
  - Mas devia ter ligado. Ninguém sabia onde você estava, liguei para todas as suas amigas...
  - Espera aí, você ligou para todas as minhas amigas?
  - Liguei sim. Pensei que você estivesse com alguma delas.
  - Não! Além de me fazer pagar mico na frente do meu namorado, ainda mexe na minha agenda e liga para todas as minhas amigas? - ela começou a ficar irritada.
  - Você não sabe como eu estava desesperada...
  - EU NÃO SOU NENHUMA CRIANÇA. VOCÊ SABE DISSO.
  - NÃO OUSE GRITAR COMIGO, SOU SUA MÃE.
  Agora que eu fiquei irritada e comecei a gritar, ela me ouviu.
  - Amanhã a escola inteira vai saber disso, não basta eu ser nova lá? Se confiasse em mim, isso não tinha acontecido.
  - Eu confio em você. Mas você sabe como é essa cidade, eu pensei o pior.
  - Eu sei me cuidar.
  - Qualquer um pode se encrencar nessa cidade, até eu.
  - Bastava se acalmar...
  - COMO VOCÊ QUERIA QUE EU ME ACALMASSE?
  - Fique calma, Alice. - disse Fábio.
  - COMO VOU FICAR CALMA?
  Tentei controlar minha voz.
  - Desculpe Fábio.
  - Não precisa se desculpar, você está de cabeça quente. - ele me abraçou.
  - Há quanto tempo está namorando esse Thomas?
  - Um mês.
  - Um mês? Pensei que confiasse mais em mim.
  - Eu tive medo.
  - Medo? Eu nunca levantei um dedo para você. Como pode pensar isso de mim?
  - Seus discursos...
  - Meus “discursos” eram para te ensinar, não para te botar medos. Eu sempre deixei isso muito claro. Pelo menos arrumou um rapaz educado. Aonde se conheceram?
  - Ele estuda comigo.
  - E os pais dele?
  - Muito gentis. Gostaram muito de mim.
  - Que milagre!
  - Milagre?
  - Milagre gostarem de você, ultimamente você está me dando nos nervos.
  - É por que, ao contrário de você, eles pararam me escutaram e me conheceram. O que você faz? Trabalha o dia inteiro e só para em casa a noite. E a noite só tem tempo para ensaiar.
  - Você disse que entendia isso...
  - Menti! Menti por que não queria te preocupar, mas já está ficando insuportável. - ela subiu para o quarto.
  - Ah. - desabei no sofá e não consegui mais segurar minhas lágrimas - Ainda não posso acreditar!
  - Fique calma, Alice. Você sabe como são essas adolescentes.
  - Nós nunca brigamos desse jeito.
  - Você quer que eu converse com ela?
  - Você pode até tentar, mas duvido que ela vá te ouvir. Ela nem te conhece direito.
  - Não custa tentar.
  - Faça o que quiser.
  Não consegui reprimir o impulso de ouvir o que eles estavam conversando. Fiquei parada no corredor perto do quarto dela.
  - Você nos deixou preocupados, Emily.
  - Preocupados? Você nem me conhece direito.
  - Mas você acha que eu sou o tipo de pessoa que não se preocupa com o filho dos outros? Especialmente da sua mãe.
  - Mas o que eu podia fazer? Não tinha como voltar para a casa e o pai do Thomas teve que me trazer. Se não acreditam em mim, eu dou o telefone dos pais dele...
  - Nós acreditamos em você, Emily.
  - Então?
  - O fato é que você tinha que ter nos avisado. Sua mãe ficou em estado de nervos, ela ficou muito preocupada...
  - Mas não havia motivo...
  - Errado. Ela tem todos os motivos para ficar preocupada. Quando tiver seus filhos, vai saber o que ela passou. Você sabe como é para uma mãe ficar sem saber onde o filho está? Principalmente nessa cidade tão perigosa?
  Ela ficou muda.
  - Agora, é melhor você pedir desculpas para a sua mãe, ela está muito triste por ter brigado com você. É muito difícil para ela, por que você é a pessoa que ela mais ama na vida. Eu vou chamá-la e vocês duas vão conversar.
  Eu corri para a sala.
  Alguns segundos depois, ele veio me chamar.
  - Alice? É melhor você ir conversar com sua filha.
  - Não sei se vou conseguir...
  - É melhor! - ele me abraçou - Ela precisa conversar com você, e você precisa conversar com ela.
  - Vem comigo?
  - Essa conversa é só entre vocês duas.
  - Então fique rezando por mim. Não estou na melhor das condições. Deseje-me sorte.
  - Boa sorte. E vou ficar rezando.
  - Obrigada.
  Subi até o quarto dela e bati na porta.
  - Posso entrar?
  - Ele já te contou que pode.
  Eu me sentei ao lado dela.
  - Antes de você começar a falar, Emily. Apenas me escute certo?
  Ela concordou.
  - Você sabe quanto é importante para mim? Sabe como é não saber onde você está e não poder fazer nada? Você sabe o quanto eu te amo?
  Ela não respondeu.
  Respirei fundo para não voltar a chorar.
  - Quando eu te peguei no orfanato, foi como se você fosse perfeita para mim, como se aquele bebezinho ali se tornasse a coisa mais importante para mim em apenas alguns segundos. Era como se você fosse minha filha de verdade... - decidi mudar de assunto - Isso que você está passando agora, eu já passei, mas eu sempre confiei na minha mãe, sabe por quê?
  Ela acenou a cabeça para que eu respondesse.
  - Por que ela é a pessoa que mais me ama nesse mundo! - eu abaixei a cabeça - Quando vi que você estava demorando muito para chegar em casa, eu fiquei desesperada, por que você é tudo para mim, e mãe sempre pensa o pior. Você nem sabe como foi horrível não saber onde você estava ficar desesperada por medo de perder a pessoa mais importante da sua vida. - voltei a chorar.
  Ainda não tinha percebido que ela também estava chorando.
  - Desculpa mãe. Desculpa. - ela me abraçou.
  - Está desculpada, minha filha.
  Fiquei ali até ela dormir.

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