5 - Conhecendo
Quando estávamos cansadíssimos de tanto ensaiar, ele decidiu ir embora.
- Pense naquilo que eu te falei. - ele disse me abraçando.
Apenas concordei com um aceno de cabeça. Ele foi embora.
Deitei na cama e tentei colocar a cabeça no lugar.
Dormi, remoendo um monte de coisas dentro da minha cabeça.
Hoje eu não tinha nenhum compromisso. - graças a Deus! - Terminei a peça que eu estava escrevendo há quase um mês. - muita coisa na cabeça.
A campainha tocou. Mas quando fui atender, era só o entregador trazendo um pacote para mim. Assinei, paguei e voltei para o sofá.
Quem será que me mandou esse pacote? O que tem nele?
Você só vai saber se abrir, Alice.
Abri. Era uma caixa de bombons, e tinha um bilhete junto. Li em voz alta:
- Espero que não dê um ataque e diga que está de dieta. - ri - Vou chegar um pouco atrasado para o nosso ensaio, espero que não se importe. Preciso comprar uma coisa para você! E não adianta perguntar o que é, por que eu não ia escrever no bilhete! - ele e seu jeito - Vou sentir saudades! Eu te amo! Fábio.
Dobrei o bilhete e coloquei no bolso da minha calça. E decidi que ia dividir a caixa de bombons com ele.
Ele chegou uma hora e meia, depois do horário que sempre chegava.
- Demorei?
- Digamos que eu fiquei aqui sozinha. Sem minha filha. Minha mãe lá em Seattle...
- Tudo bem, eu demorei!
- Demorou!
- Mas em compensação, seu presente está aqui!
- Vai me contar o que é?
- Não. Você vai abrir.
Ele me entregou um pacote pesado, embrulhado para presente.
- O que tem aqui? Chumbo?
- Não. É só abrir que você vai saber por que é tão pesado.
Sentamos no sofá e eu abri: era uma enorme coleção de livros.
- Machado de Assis. Aluísio Azevedo. Joaquim Manuel de Macedo. Paulo Coelho e muitos outros.
- Eu adorei! Obrigada!
- Gostou mesmo?
- É claro! - o abracei.
Ele ficou meio confuso com meu abraço, mas aceitou.
- Pronto para começar o ensaio?
- Pronto!
Ensaiamos até ficarmos enjoados de todas as falas.
- Parece que vamos ter que começar a gravar esse filme logo, senão vamos morrer de tédio.
- É.
Ele olhou para o meu rádio e a enorme quantidade de CDs que eu tinha.
- Que tipo de música tem por aqui? - ele se levantou e começou a olhá-los.
- Principalmente clássicos.
- Mozart?
- Também.
- Hum. - disse colocando um CD no rádio - Me dá o prazer dessa dança, senhorita?
- Com muito prazer cavalheiro. - comecei a rir sem parar.
- Estou falando sério.
- Eu também!
Ele pegou minha mão e me conduziu até o meio da sala.
- Sabe dançar, ó bela senhorita?
- Perfeitamente, cavalheiro.
Ele colocou minha mão em seu ombro, colocou sua mão na minha cintura, com a outra pegou minha mão livre e me puxou para perto. Enterrei meu rosto na sua roupa para ele não ver como eu estava vermelha.
- Não pise no meu pé. - me avisou.
Eu sorri e pisei bem forte no peito do pé dele.
- Ai! Adoro mulher desobediente. Continue assim.
- Ah é?
- Sim.
- Então vou ser muito obediente de agora em diante.
- Está sendo desobediente de novo!
Cara? Quando ele vai deixar de me fazer parecer uma boba? Eu parecia estar no jardim da infância para não sacar essa.
- Melhore um pouco essa sua expressão. Parece que está quase sendo empurrada a beira de um precipício, Alice.
- É da minha natureza, minha mãe sempre tem essa expressão.
- Eu não tinha visto essa expressão no seu rosto até agora.
- Por que até agora, você não me chamou para dançar.
- Isso te incomoda?
- Não. É só que você escolheu um CD que eu nunca ouvi, minha mãe o deixou ali faz meses.
- Ela tem bom gosto.
- Isso é verdade.
De repente passou para outra música.
- O que você gosta de comer? - perguntou.
- De tudo um pouco.
- O que você gosta de fazer?
- Ler livros, assistir filmes, escrever peças e conversar com minha filha.
- Quais tipos de filmes?
- Romances e terror!
- Nossa! E livros?
- Todos.
- Gosta de morar aqui no Rio de Janeiro?
- Fora as violências, eu gosto do Rio.
- Morou em quais lugares?
- No Brasil só em São Paulo e Curitiba. Morei em Seattle com minha mãe até meus dezoito anos, em Miami, Nova York, São Francisco e Londres.
- Você se muda com freqüência.
- Mas, agora, pretendo ficar no Rio por um tempo bem maior. Terminar o filme que nem começamos ver se alguma das minhas peças vai para o teatro, além do mais, a Emily conseguiu fazer muitos amigos por aqui. - suspirei - Apesar de ela estar meio rebelde ultimamente.
- Coisas de adolescente, aposto que eu era pior.
- É de se imaginar, você adolescente.
- Eu era bem rebelde.
- Disso eu não duvido.
- E você? Como você era na adolescência?
- Eu era bem tranqüila, não dava trabalho, mas...
- Quando chega esse “mas” é por que lá vem bomba.
- Mas quando havia festas com os amigos, ninguém me segurava. Meu pai ficava louco. - suspirei.
Ele olhou no meu rosto.
- Seu pai está feliz aonde quer que esteja. Sempre tenha consciência disso.
- É. - encostei meu rosto no seu ombro para não chorar.
- Qual é a sua cor preferida?
- Não tenho uma cor preferida, gosto das cores bonitas.
- Fruta?
- Que me faça bem.
- Filme?
- Um Amor Para Recordar.
- Assisti esse!
- Eu choro até me acabar.
- Mas que exagero.
- Sou meio “sensível” quando assisto filmes.
- Até que eu suporto bem.
- Você é homem!
- Homens também choram.
- Você é um desses?
- Talvez. Mas só choro quando estou realmente triste, chateado.
- Então você não é um desses. Você é o homem que se faz de forte, mas no fundo fica todo emocionado.
- Na mosca!
Outra música começou a tocar.
Ele encostou o rosto no meu pescoço.
- Como é incrível - começou - esse sentimento.
- Qual? - perguntei apesar de saber muito bem do que ele estava falando.
- O amor! Qual mais?
- A alegria, a tristeza, a amizade, existem tantos, quer que eu te fale todos?
- Não. Para mim só o amor importa. Impossível de descrever e impossível de esquecer. - ele colocou minhas duas mãos nos seus ombros e colocou as suas mãos na minha cintura.
- É melhor encerrar esse assunto por aqui.
Ele concordou sem dizer mais nada.
6 - Conversa
- Eu ainda não comi os bombons. - peguei a caixa - Quer dividir comigo?
- Só por que eu sou louco por chocolate?
- Também.
Pela primeira vez, olhei no relógio.
- Já são onze horas, aonde será que está a Emily? Ela nunca ficou fora até tão tarde.
Decidi esperar mais um pouco. - deu meia noite e ela ainda não tinha chegado - Me desesperei e comecei a ligar para todas as amigas dela, mas ninguém sabia onde ela estava.
- Onde está a minha filha? - comecei a chorar.
- Fique calma, ela vai aparecer.
Liguei para todas as pessoas possíveis que podiam estar com ela. Nada.
- Ai meu Deus! Já é quase uma hora da manhã. Onde ela pode estar?
De tanto desespero, comecei a tremer, chorar e soluçar, tudo ao mesmo tempo.
Quando eu estava prestes a sair pela cidade atrás dela, ela apareceu com um menino.
- Emily! Onde você estava? Você sabe o estado que você me deixou? E quem é ele?
- Esse é o Thomas.
- Onde vocês estavam até agora? - eu ainda continuava a chorar, mas deixei o tom da minha voz, baixo.
- Eu não saí com motorista, não encontrei nenhum táxi, e não tinha nenhum ônibus, então ele me trouxe.
- Onde vocês estavam até agora?
- Relaxe, mãe.
- COMO QUE VOCÊ QUER QUE EU RELAXE? VOCÊ SAI, NÃO DÁ NOTÍCIAS E AINDA QUER QUE EU RELAXE? - me virei para o garoto - E você garoto?
- Eu sou Thomas Carvalho. - ele pegou minha mão e a beijou.
- Pelo menos é educado. - observei - Você pode me contar onde estavam ou vou ter que começar a gritar? - agora eu não soluçava, mas continuava a chorar.
- Não precisa se preocupar, ela estava comigo lá em casa, com minha mãe e meu pai. - ele olhou para ela.
- Vocês estão juntos?
- Eu gosto muito da sua filha, senhora. Ela parece gostar de mim também. Estamos namorando.
Virei e olhei para a Emily.
- Por que não me contou?
Ela não respondeu.
- Por que não me contou?
- Por que eu fiquei com medo de você brigar comigo. Conheço de cor seus discursos sobre namorados.
- Você sabe que pode confiar em mim.
- Olhe. Eu a trouxe aqui. Foi um prazer conhecê-la, senhora, mas meu pai está lá fora me esperando. - disse Thomas indo até a porta.
- Tudo bem. Foi um prazer te conhecer também.
E ele foi embora.
Olhei seriamente para a Emily.
- Você tem idéia de como eu fiquei desesperada?
- Você sempre me deixou sair.
- Até a essa hora?
- Eu já te expliquei...
- Mas devia ter ligado. Ninguém sabia onde você estava, liguei para todas as suas amigas...
- Espera aí, você ligou para todas as minhas amigas?
- Liguei sim. Pensei que você estivesse com alguma delas.
- Não! Além de me fazer pagar mico na frente do meu namorado, ainda mexe na minha agenda e liga para todas as minhas amigas? - ela começou a ficar irritada.
- Você não sabe como eu estava desesperada...
- EU NÃO SOU NENHUMA CRIANÇA. VOCÊ SABE DISSO.
- NÃO OUSE GRITAR COMIGO, SOU SUA MÃE.
Agora que eu fiquei irritada e comecei a gritar, ela me ouviu.
- Amanhã a escola inteira vai saber disso, não basta eu ser nova lá? Se confiasse em mim, isso não tinha acontecido.
- Eu confio em você. Mas você sabe como é essa cidade, eu pensei o pior.
- Eu sei me cuidar.
- Qualquer um pode se encrencar nessa cidade, até eu.
- Bastava se acalmar...
- COMO VOCÊ QUERIA QUE EU ME ACALMASSE?
- Fique calma, Alice. - disse Fábio.
- COMO VOU FICAR CALMA?
Tentei controlar minha voz.
- Desculpe Fábio.
- Não precisa se desculpar, você está de cabeça quente. - ele me abraçou.
- Há quanto tempo está namorando esse Thomas?
- Um mês.
- Um mês? Pensei que confiasse mais em mim.
- Eu tive medo.
- Medo? Eu nunca levantei um dedo para você. Como pode pensar isso de mim?
- Seus discursos...
- Meus “discursos” eram para te ensinar, não para te botar medos. Eu sempre deixei isso muito claro. Pelo menos arrumou um rapaz educado. Aonde se conheceram?
- Ele estuda comigo.
- E os pais dele?
- Muito gentis. Gostaram muito de mim.
- Que milagre!
- Milagre?
- Milagre gostarem de você, ultimamente você está me dando nos nervos.
- É por que, ao contrário de você, eles pararam me escutaram e me conheceram. O que você faz? Trabalha o dia inteiro e só para em casa a noite. E a noite só tem tempo para ensaiar.
- Você disse que entendia isso...
- Menti! Menti por que não queria te preocupar, mas já está ficando insuportável. - ela subiu para o quarto.
- Ah. - desabei no sofá e não consegui mais segurar minhas lágrimas - Ainda não posso acreditar!
- Fique calma, Alice. Você sabe como são essas adolescentes.
- Nós nunca brigamos desse jeito.
- Você quer que eu converse com ela?
- Você pode até tentar, mas duvido que ela vá te ouvir. Ela nem te conhece direito.
- Não custa tentar.
- Faça o que quiser.
Não consegui reprimir o impulso de ouvir o que eles estavam conversando. Fiquei parada no corredor perto do quarto dela.
- Você nos deixou preocupados, Emily.
- Preocupados? Você nem me conhece direito.
- Mas você acha que eu sou o tipo de pessoa que não se preocupa com o filho dos outros? Especialmente da sua mãe.
- Mas o que eu podia fazer? Não tinha como voltar para a casa e o pai do Thomas teve que me trazer. Se não acreditam em mim, eu dou o telefone dos pais dele...
- Nós acreditamos em você, Emily.
- Então?
- O fato é que você tinha que ter nos avisado. Sua mãe ficou em estado de nervos, ela ficou muito preocupada...
- Mas não havia motivo...
- Errado. Ela tem todos os motivos para ficar preocupada. Quando tiver seus filhos, vai saber o que ela passou. Você sabe como é para uma mãe ficar sem saber onde o filho está? Principalmente nessa cidade tão perigosa?
Ela ficou muda.
- Agora, é melhor você pedir desculpas para a sua mãe, ela está muito triste por ter brigado com você. É muito difícil para ela, por que você é a pessoa que ela mais ama na vida. Eu vou chamá-la e vocês duas vão conversar.
Eu corri para a sala.
Alguns segundos depois, ele veio me chamar.
- Alice? É melhor você ir conversar com sua filha.
- Não sei se vou conseguir...
- É melhor! - ele me abraçou - Ela precisa conversar com você, e você precisa conversar com ela.
- Vem comigo?
- Essa conversa é só entre vocês duas.
- Então fique rezando por mim. Não estou na melhor das condições. Deseje-me sorte.
- Boa sorte. E vou ficar rezando.
- Obrigada.
Subi até o quarto dela e bati na porta.
- Posso entrar?
- Ele já te contou que pode.
Eu me sentei ao lado dela.
- Antes de você começar a falar, Emily. Apenas me escute certo?
Ela concordou.
- Você sabe quanto é importante para mim? Sabe como é não saber onde você está e não poder fazer nada? Você sabe o quanto eu te amo?
Ela não respondeu.
Respirei fundo para não voltar a chorar.
- Quando eu te peguei no orfanato, foi como se você fosse perfeita para mim, como se aquele bebezinho ali se tornasse a coisa mais importante para mim em apenas alguns segundos. Era como se você fosse minha filha de verdade... - decidi mudar de assunto - Isso que você está passando agora, eu já passei, mas eu sempre confiei na minha mãe, sabe por quê?
Ela acenou a cabeça para que eu respondesse.
- Por que ela é a pessoa que mais me ama nesse mundo! - eu abaixei a cabeça - Quando vi que você estava demorando muito para chegar em casa, eu fiquei desesperada, por que você é tudo para mim, e mãe sempre pensa o pior. Você nem sabe como foi horrível não saber onde você estava ficar desesperada por medo de perder a pessoa mais importante da sua vida. - voltei a chorar.
Ainda não tinha percebido que ela também estava chorando.
- Desculpa mãe. Desculpa. - ela me abraçou.
- Está desculpada, minha filha.
Fiquei ali até ela dormir.
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