quarta-feira, 3 de novembro de 2010

7º e 8º Capítulo

7 - Jantando

  Encontrei o Fábio no corredor.
  - Como foi?
  - Ótimo. Para a minha surpresa. Você deve estar cansado, não?
  - Toda essa agitação me tirou o sono.
  - Tem coragem de dirigir para a casa?
  - Tenho. Não tenho medo dessa cidade.
  - Pois devia ter. Vai se cuidar?
  - É claro!
  - Promete mesmo? - eu estava realmente preocupada.
  - Não se preocupe comigo.
  - Como não posso me preocupar? Você se tornou meu melhor amigo!
  Percebi o quanto ele ficou incomodado com a palavra amigo.
  - Se preocupe com você mesma e com sua filha, Alice. - ele me abraçou - Amanhã nós conversamos.
  - Conversar?
  - Vamos começar a gravar o filme semana que vem!
  - Ah. - eu tinha me esquecido completamente - Com essa rotina, a minha memória vai para o espaço.
  - A minha não vai tão longe. - ele me olhou - Nossos ensaios vão acabar semana que vem não é?
  - É. - suspirei - Mas, em compensação, vamos nos ver muito mais nas gravações. Pense por esse lado.
  - É mesmo. - ele se animou - Amanhã? Ensaio?
  - Claro! Precisamos ensaiar muito, pois não podemos esquecer as falas.
  - Se quiser, eu posso traduzir o filme para o chinês sem precisar do papel.
  - Mas é sempre bom.
  - Tudo bem. Eu só estava brincando.
  - Eu sei. - comecei a rir.
  Ele interrompeu meus risos com um beijo. - nossa! - Desta vez eu não consegui “encontrar” forças para impedi-lo. - isso era mais do que eu esperava de mim mesma - Depois de um tempo eu reuni minhas forças e nos separei.
  - Não! Não Fábio! Por favor...
  - Tudo bem. - murmurou meio tonto - Prometo que vou me comportar... Até amanhã?
  - Com certeza!
  E foi embora.
  Me joguei na cama e enfiei a cara no travesseiro.
  - Mas... O que... Foi isso? - minha cabeça estava girando e eu não conseguia ter algum pensamento coerente.
  Perdi completamente o sono e fiquei acordada pelo que me pareceram horas.
  Depois disso, a única coisa que percebi, é que já era dia. Hoje meu dia iria ser corrido: eu tinha um almoço com um ator do filme, tinha uns... Três cafés com outras atrizes e tinha que passar na casa da Gabriela, por que, quando começarmos a gravar o filme, vou precisar de uma secretária, pois minha vida vai estar uma loucura. - mais do que já é! - Não consegui tirar da cabeça a cena de ontem - mas que beijo!
  - Alice? Alice? Onde você está? - Gabriela me perguntou.
  - Desculpe, é que minha cabeça está muito cheia, tive uma briga feia com a Emily, mas conseguimos nos acertar. - contei metade da situação.
  Ela me olhou.
  - Tem algo mais que queira me contar?
  - Na verdade tenho! Se eu não contar isso para alguém, acho que meu rim vai sair pela boca.
  - Nossa! O que foi?
  - O Fábio...
  - Sabia! Sabia que uma hora ele ia bagunçar essa cabecinha!
  - Dá para me escutar ou está difícil?
  - Dá!
  - Ele... Ontem... Depois que eu me acertei com minha filha... Ai isso é mais difícil do que eu pensava!
  - Vamos! Conte!
  - Ele me beijou! Pronto! Falei!
  Ela ficou de boca aberta uns bons trinta segundos.
  - Dá para me ajudar ou vai ficar de boca aberta esperando que algum passarinho faça “cocô” nela?
  - Desculpe, é que eu estou perplexa.
  - Eu também. - admiti - Nossa! O que foi aquilo? Você não tem idéia de como eu fiquei depois, parecia que eu era uma criança que tinha acabado de sair do parque da Disney. Foi estranho.
  Ela me olhou como quem já sabia disso há muito tempo.
  - Isso que aconteceu mexeu com você não é?
  - Bom... Vamos dizer que... Foi uma coisa totalmente nova, totalmente desconhecida...
  - Desconhecido para você só o amor!
  - Não seja besta! - a empurrei - Tudo bem que ele me conhece melhor do que muitas pessoas, que eu gosto muito da companhia dele, mas...
  - Mas nada. Você não percebeu o que está acontecendo?
  Balancei a cabeça negativamente.
  - Você está apaixonada!
  - Não brinque com uma coisa dessas...
  - Não estou brincando.
  - Poupe-me de suas conclusões erradas. - fui até a porta.
  Ela me segurou.
  - Erradas? Então me diga: quando ele está perto de você, não sente como se o conhecesse há muito tempo? Sente que ele é uma pessoa perfeita e não podia ser melhor? Sente que não pode brigar com ele nem de brincadeira? Sente que é proibido magoá-lo? Sente que não pode viver sem a companhia dele?
  Sim. Para todas as perguntas a resposta era sim! Virei-me para olhá-la.
  - Então? Vai me responder?
  - Sim, parece que eu o conheço há muito tempo! Sim, ele é uma pessoa perfeita e não podia ser melhor! Sim, eu não posso brigar com ele nem de brincadeira! Sim, é proibido magoá-lo e, sim, eu não posso viver sem a companhia dele! Pronto, satisfeita?
  - Você nunca ouviu aquela frase da Madeleine de Scudéry? Amor é um não-sei-quê, que surge não sei de onde, e acaba não sei como?
  - Isso mesmo, eu não sei o que esperar, por isso nunca me apaixonei, não estou apaixonada e nem vou me apaixonar.
  - Isso é o que você acha que está pensando. Alice, eu te conheço desde que nós éramos duas garotinhas mimadas, sei o que está passando em seu coração - ela o tocou - antes mesmo que você possa descobrir, mas se não quer acreditar, não diga que eu não tentei.
  - Tentou, mas não deu certo. Agora eu posso ir embora ou você não vai largar meu braço tão cedo?
  Ela relaxou e soltou meu braço.
  - Até amanhã. - murmurei e fui embora.
  Era incrível como aquela conversa me irritou completamente. - parecia que ia sair fumaça das minhas orelhas.
  Fábio logo percebeu minha irritação.
  - O que foi Alice?
  - Ah. Podemos ensaiar amanhã? Não estou com a cabeça muito boa hoje. Mas se quiser podemos fazer outra coisa. Essa mansão não serve só para dormir e guardar carros na garagem.
  - Claro que podemos ensaiar amanhã, mas com uma condição...
  - Qual?
  - Deixe-me levá-la a um lugar que eu adoro.
  - Vai me contar o que é?
  - Não!
  - Então eu quero ir!
  - Não entendi seu argumento.
  - Nem eu.
  - Tudo bem. Vamos nos divertir!
  - É disso mesmo que eu estou precisando.
  Ele me levou no carro dele, demorou - para mim - uma eternidade para chegar a esse lugar.
  - Vai ter que colocar essa venda. - ele me estendeu uma tira de seda.
  - Está brincando comigo?
  - Não. Só quero que seja uma surpresa.
  - Ah, se é assim, agora que eu não a coloco mesmo.
  - Não me faça parar o carro e colocar isso em você nem que seja a força e ter que lacrar.
  Peguei a fita e amarrei nos olhos.
  - Satisfeito? Agora não enxergo um palmo a minha frente.
  - Era essa a intenção, assim você não tem como trapacear.
  Bufei.
  - Lembra que nós vamos nos divertir? Onde está o espírito?
  - Fora dessa fita idiota que você me obrigou a colocar.
  - Já estamos chegando. - disse tranqüilamente - Você não vai tropeçar em nada, não se preocupe, eu vou te ajudar.
  Dessa vez eu não arrumei mais nada para dizer. Quando finalmente o carro parou, ele me ajudou a descer.
  - Espero que essa surpresa seja realmente boa, senão você vai perder a consciência.
  - Dá para ser mais razoável? Você vai gostar!
  - Espero me... - ele tocou meus lábios.
  - Fique quieta.
  Tivemos que pegar um elevador. - o que me assustou.
  Ele tirou minha venda.
  - Nossa. - era um restaurante lindo, com vários tocadores de violino, de frente para uma praia - É lindo.
  - Eu disse que ia gostar!
  - Pelo menos você não vai perder a consciência esta noite.
  - Uma boa notícia por sinal.
  Ele se aproximou da recepção.
  - Pois não senhor?
  - Eu reservei uma mesa para dois em nome de Fábio Castro.
  - Estávamos esperando pelo senhor. Venham. Vou levá-los até lá.
  Nossa mesa era bem lá na frente onde dava para ver perfeitamente o mar.
  - Aqui está o cardápio. - ela nos entregou - Quando se decidirem é só chamar o garçom.
  E se retirou.
  - O vai querer? - perguntou.
  - Você escolhe.
  - Então vou pedir meu prato favorito. - ele indicou que o garçom viesse até nós.
  Ele pediu tão baixo que eu não pude ouvir. O garçom trouxe um minuto depois, comi sem prestar atenção na comida.
  - Há algum motivo de esse lugar ser seu preferido?
  - Claro. Primeiro: a comida é ótima. Segundo: a vista. - ele apontou para o mar - E terceiro: os músicos são muito bons.
  - Bons motivos.
  - Quer pedir uma música?
  - Sim.
  Ele chamou o violinista e ele logo começou a tocar.
  - Gostou desse lugar?
  - Amei.
  - Podemos voltar mais vezes aqui.
  - Vou adorar.

8 - Histórias

  Terminamos de comer e dispensamos o violinista. Ele me levou até um banco e ficamos admirando a vista.
  - Quando é que vou deixar de admirar a beleza dessa cidade? - perguntei olhando para ele.
  - Eu acho isso impossível.
  - Por mim eu morava aqui para sempre.
  - Eu também.
  Ele se aproximou, mas eu desviei.
  - Acho que está ficando tarde, não quero que a Emily tenha motivos para reclamar.
  - Tudo bem. - ele abaixou a cabeça.
  Ele me levou de volta para a casa. Olhei no relógio e percebi que não demoramos tanto quanto pensei, eram nove horas. Agora entendi por que ele abaixou a cabeça: ­Acho que está ficando tarde não era uma boa frase para um horário desses.
  - Parece que vamos ter que ocupar nosso tempo com outra coisa.
  - Menos ensaiar!
  - Isso mesmo.
  - O que podemos fazer? Já comemos, admiramos a cidade...
  - Podemos assistir TV. Ver se os atores estão tendo um bom desempenho.
  - Agora nós viramos jurados?
  - Prefiro dizer que somos avaliadores de talentos.
  - Tudo bem.
  Ele colocou num filme.
  - Essa mulher está com o cabelo meio despenteado. - apontei para a mulher que estava sentada ao lado do seu filho - Pela fala dela: Para além do horizonte, ela não podia ficar olhando para o pé, devia estar olhando para o horizonte.
  - O menino não parece estar prestando atenção ao que ela diz, parece que quando estavam gravando, ele tinha a cabeça em outro lugar.
  E seguiu uma maratona de elogios e criticas. - a maioria era criticas - No final do filme, nós estávamos rindo, sem ter razão. - O filme era triste - Acho que estávamos rindo de nós mesmos, rindo de nossas avaliações, rindo de tudo e de nada ao mesmo tempo.
  - Por que estamos rindo afinal? - perguntei entre gargalhadas.
  - Era a mesma pergunta que eu ia te fazer.
  Conseguimos parar de rir minutos depois.
  - Se fosse filme romântico, ia ter muito mais coisas para criticar. - desliguei a TV.
  - Com toda a certeza. - suspirou.
  Desviei meus olhos para não começar um assunto que eu não queria ouvir, mas, como se pudesse ouvir meus pensamentos, ele começou a falar.
  - Lembra daquele dia que sua mãe nos interrompeu?
  - Lembro. - Suspirei. - E?
  - Queria que ela não tivesse interrompido.
  - Se ela não interrompesse, eu mesma ia interromper.
  - Duvido muito. Sei que você também me quer.
  - Ah é?
  - É.
  - Vou te provar que não sinto nada.
  - Como?
  - Assim. - o beijei - Está vendo? Estou como sempre e não senti nada, Satisfeito?
  Uau. Como eu beijá-lo pode me deixar tonta? - balancei a cabeça.
  Ele não respondeu confuso com minha demonstração de desamor.
  - Entendeu ou quer que eu te “prove” mais uma vez?
  - Entendi. Entendi que você é uma boa mentirosa.
  - Desisto. - Levantei as mãos - Você é inflexível...
  - E você é apaixonada por mim.
  - Você é a segunda pessoa a me dizer isso, pena que estão errados.
  - Estamos errados?
  - Sim.
  - Quando você me disser eu te amo, vou provar que está errada.
  - Então espere sentado, meu querido Fábio, isso nunca vai acontecer.
  - Vou esperar de pé, sentado, deitado, vou esperar de qualquer maneira. Agora, você é tudo o que mais me importa. Vou esperar até que acredite em mim...
  - Tudo bem. Acredito em você. Só não quero que fique esperando por mim, desperdiçando seu tempo, isso só vai te magoar.
  - O que importa a mágoa se tenho o amor?
  - Você faz tudo parecer tão fácil.
  - Por que para mim as coisas são muito mais simples do que você pensa. Mais fácil do que se pode imaginar...
  - Como eu queria acreditar nisso. - suspirei - Para mim, a vida é mais difícil do que muitos pensam.
  - Pode me explicar por quê?
  - Por que, na minha vida, nada foi “fácil” ou “simples”, ela sempre foi muito difícil.
  Ele esperou que eu continuasse.
  - A única coisa que eu tinha de “fixo” era o dinheiro, e isso não é uma coisa de que me orgulho. Eu vivia num mundo completamente diferente das outras garotas, eu sentia certa inveja delas...
  - Não entendi.
  - É que elas tinham tudo o que eu não tinha: elas tinham atenção de toda a família, brincavam sem se preocupar com a vida e... Quando eu estava na adolescência, houve uma cena que tocou meu coração e fez um corte bem no meu coração. Sei que é um exagero, mas é verdade. - um nó se formava na minha garganta.
  - Conte. Vai se sentir melhor.
  - Eu vi um casal, mas não era um casal comum, parecia... Parecia... Parecia um amor verdadeiro, ele a olhava como se fosse à coisa mais preciosa do mundo, e ela ficava encantada só de ver o sorriso no rosto dele. - minha voz saía rouca com a vontade de chorar - Foi lindo!
  - Então por que isso te deixa triste?
  Fitei o vazio.
  - Estou me metendo onde não devo de novo? Se for isso, por favor, me fale.
  - Não, não está. É que o assunto é meio delicado.
  - Se não quiser me contar...
  - Não. Estou precisando botar para fora.
  - Tudo bem, me conte.
  Respirei fundo.
  - Eu queria que aquele tipo de coisa acontecesse comigo, que houvesse uma maneira de aquilo ser real para mim. - não consegui mais segurar o choro.
  Não consegui falar nenhuma palavra que não viesse atropelada por lágrimas e soluços.
  Ele ficou quieto uns bons cinco minutos até dizer:
  - E você não percebe que esse desejo está bem na sua frente? - havia uma pontada de tristeza na voz dele.
  - Não é isso. É que. Eu queria. Sentir o mesmo. Por você. - tentei controlar os soluços - Você me ama, mas... - não consegui terminar a frase.
  - Mas?
  Eu me atirei num abraço forte nele. Agora eu estava compreendendo muito bem o que estava se passando no meu coração.
  - Eu estou com medo. - admiti.
  - Medo? De que?
  - De me decepcionar.
  - Você sabe que comigo isso não ia acontecer.
  Quando consegui me acalmar, acabei dormindo.
  - Alice! Alice!
  Murmurei algo ininteligível, eu estava morrendo de sono.
  - Vou te levar lá para cima. - ele me pegou no colo - Parece que você vai dormir um bom tempo.
  - Arrã. - foi a única coisa que consegui dizer.
  Aconcheguei-me no seu colo. - isso me ajudou a dormir.
  Ele me colocou na cama, me cobriu e apagou a luz.
  - Não se importa de eu dormir aqui hoje?
  - Pode ficar com o quarto de hóspedes.
  - Obrigado.
  E apaguei.

  Quando acordei, percebi que não dormi o suficiente, olhei o relógio: ainda eram três e meia da manhã. Virei-me e quase caí da cama do susto que levei.
  - Desculpe, não queria te acordar. Acha que eu não preciso mais ficar aqui? - perguntou Fábio.
  - Do que você está falando?
  - Duas horas atrás você acordou e me pediu para ficar aqui.
  Nossa. Eu estava tão cansada que tinha me esquecido disso. Mas agora o sono tinha ido embora. Percebi que ele estava lendo um livro à luz de uma lanterna.
  - Que livro é esse?
  - Sonho de Uma Noite de Verão.
  - Gosta desse tipo de livro?
  - Não, só fiquei curioso. Está melhor?
  - Acho que sim. Você não está com sono?
  - Costumo ficar lendo de madrugada.
  - Ah.
  Precisei de alguns minutos para eliminar a moleza que tinha no meu corpo e conseguir me sentar.
  - Você parece mesmo melhor.
  - Acho que só precisava desabafar. Pode me distrair para não começar a chorar de novo?
  - Quer que eu fale sobre o que?
  - Sempre fiquei curiosa sobre a história dos seus pais. Você prometeu que ia contar...
  - Sim, eu prometi. Quer ouvir agora?
  - Não é o que estou tentando dizer? A história de seu pai eu já sei...
  Ele sorriu.
  - Minha mãe nunca ligou muito para mim, sempre ficou torcendo para eu fazer dezoito anos e poder me chutar para fora de casa.
  Fiz uma cara meio estranha, ele não percebeu.
  - Desde meus dezoito anos que não a vejo... Bem, essa é a história.
  - Não me deixou distraída por muito tempo. - murmurei e ele não pôde ouvir - Sinto muito pela sua mãe, deve ser difícil.
  - Acho que já me acostumei a isso. O tempo pode fazer milagres conosco.
  Estiquei o braço e afaguei seu rosto.
  - Não precisa dar uma de durão.
  - Às vezes é preciso. Como acha que eu consigo lidar com isso?
  - Ah. - recolhi minha mão - Pensei que fosse o tempo.
  - Eu também.
  Bocejei.
  - O sono está voltando?
  - Não tive uma noite completa. - expliquei - Nem sei como consegui acordar mais uma vez.
  Dizendo isso, me afundei mais uma vez na inconsciência.

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