quarta-feira, 3 de novembro de 2010

9º e 10º Capítulo

9 - Magoando

  Me espreguicei, e sem querer bati o braço nele, que deu um pulo de susto.
  - Desculpe. Você dormiu aí?
  - Acho que apaguei minutos depois de você.
  - Machuquei você?
  - Não. Só me deu um baita susto.
  O celular dele tocou.
  - Alô? - houve uma pausa - E o que vou fazer agora? - ele se irritou - E espera até agora para me contar isso? - houve um chiado, talvez a pessoa estivesse gritando - Mas que ótimo! Pode deixar que eu me vire! - desligou.
  - Nossa. O que aconteceu?
  - Meu amigo quer emprestada a minha casa.
  - Emprestada?
  - É. Ele anda saindo com uma garota e quer passar a noite com ela lá. Eu não pude reclamar, uma vez que ele já está lá com ela.
  - Por que ele não te avisou?
  - Por que eu não estava em casa.
  Sem razão, me senti culpada.
  - Ele deixou algumas roupas minhas com o vizinho, vou passar lá e pegar. Depois vou procurar um lugar para passar a noite.
  - Você pode ficar aqui.
  - Não. Já passei mais noites aqui do que deveria.
  - Uma a mais, uma a menos não vai fazer diferença.
  - Sério mesmo?
  - Não quero que você gaste dinheiro com hotel ou qualquer outro lugar. O meu quarto de hóspedes está em promoção: apenas um copo de água. Estou com sede.
  Ele sorriu e foi buscar o copo de água para mim. Voltou o mais rápido que imaginei ser possível.
  - Ainda bem que hoje é sábado.
  - Posso saber o motivo?
  - Hoje nenhum de nós tem compromisso.
  - E?
  - Vou te levar em outro lugar.
  - De novo não vai me contar onde é?
  - Sim, de novo vou te fazer uma surpresa.
  - Tomara que seja linda que nem a de ontem.
  - Prometo que vai ser ainda melhor.
  - Tudo bem. Então vá buscar suas roupas, não quero que você tenha que sobreviver só com o que tem no corpo. - brinquei.
  - Vou voltar antes que sinta minha falta.
  - Já estou sentindo sua falta. Você me faz rir...
  - E chorar.
  - Só quando quero desabafar.
  Nós rimos.
  Quando ele saiu, aproveitei para trocar de roupa. Senti uma vontade inexplicável de estar muito bonita para a surpresa, mas acabei ficando na mesma de sempre: uma saia colada que ia até o meio da cocha, uma blusinha fina e uma sapatilha.
  Ele voltou, sei lá quanto tempo, depois de eu me arrumar.
  - Estou apresentável? - perguntei dando uma voltinha.
  - Está linda.
  Virei o rosto para ele não ver o vermelho que se formava no meu rosto.
  - Está pronta?
  - Sim. E você vai me dizer aonde vamos?
  - Não. Tenha paciência.
  - Por sorte ainda tenho um pouco. - suspirei - Você me irrita as vezes sabia?
  - Sabia. - riu - Adoro te ver irritada.
  - Está tentando me irritar nesse momento ou é só um comentário inocente?
  - Um pouco dos dois.
  Respirei fundo e contei até dez em voz alta. - isso o deixou ainda mais alegre.
  - Podemos ir? Ou quer que eu tenha um acesso de raiva e parta para cima de você?
  - Acho que eu ia gostar disso.
  Revirei os olhos e o puxei para fora do quarto.
  - Vamos. Você não ia me levar em algum lugar ou era só conversa?
  - Pode pelo menos me deixar pegar a chave do carro?
  Soltei sua camisa e ele pegou a chave que estava no sofá.
  - Pronto senhorita apressada.
  O puxei mais uma vez até o carro.
  - Vou ter que colocar uma venda de novo?
  - Desta vez não vou te torturar tanto assim.
  Ele dirigiu tranqüilamente. Tive medo de olhar a paisagem e estragar a surpresa.
  - Você devia estar animada.
  - Se não fosse pelo fato de você estar me irritando mais do que costume, eu estaria animada.
  Ele suspirou.
  Só percebi que havíamos chegado, quando ele desligou o carro.
  - Tudo bem. Onde estamos?
  - Na antiga casa dos meus pais.
  Saí do carro e analisei a casa. Era maior do que a dele, mas a pintura estava saindo, tinha um charme de casa antiga, eu sinceramente gostei.
  - Posso ter o prazer de conhecê-la por dentro?
  - Não viemos aqui por isso?
  A casa era toda mobiliada com réplicas de móveis antigos. Era linda. Tinha um pequeno lustre no meio da sala.
  - Virada do século XX? - perguntei apontando para o lustre.
  - Sim. Para ser exato é da metade do ano de 1901. Minha mãe era fanática por coisas antigas, montou essa casa aos poucos, anos antes de eu nascer.
  - Ela tinha muito bom gosto.
  - Disso eu não posso discordar. - ele abaixou a cabeça.
  Afaguei seu ombro.
  - Sei que sente falta dela.
  - Está muito na cara?
  - Eu não preciso olhar no seu rosto, só sua voz já diz isso.
  - Pensei que estivesse escondendo isso muito bem. - ele engoliu um nó que se formava na garganta - Pensei que estivesse sendo forte.
  - Você não precisa provar nada para mim, sei que está com vontade de chorar, faça como eu, desabafe!
  O máximo que ele conseguiu foi um choro silencioso.
  - Acho que é melhor voltarmos para a casa. Isso não está te fazendo bem, e eu já conheci a casa e adorei.
  Ele concordou, depois não disse mais nada enquanto voltávamos para a casa.
  Eu não tinha percebido que já anoitecera. - o tempo anda passando rápido demais - Ele arrumou suas coisas, tomou um banho e trocou de roupa, e eu decidi fazer o mesmo. - o banho tirou todo o estresse de ontem do meu corpo - Peguei minha camisola e a vesti, prendi meu cabelo num rabo de cavalo. Mais uma vez levei um susto quando o vi parado na porta.
  - Você está aí há muito tempo? - corei.
  - Não. Eu só estava de passagem. - mas seu olhar dizia mais do que isso.
  - Deseja alguma coisa nobre cavalheiro?
  - Só queria conversar com você.
  - Adoro uma conversa! - me sentei na cama - Sinta-se a vontade, cavalheiro, vai ser uma honra conversar com você... Mais uma vez.
  Ele se sentou ao meu lado e me olhou por um demorado tempo. Eu não consegui desviar o olhar.
  - Sobre o que quer conversar?
  - Sobre você. Sobre eu.
  - Qual dos dois exatamente?
  - Os dois. Nós dois.
  - Pensei que já tivéssemos tido essa conversa. - meus olhos se estreitaram.
  - Bem, não do jeito que eu queria falar hoje.
  - Pode ir direto ao assunto? Ou ainda tem preliminares?
  - Eu te amo.
  - Isso eu já sei há muito tempo.
  - Eu não consigo mais ficar longe de você.
  - Você está aqui não está?
  - Você sabe exatamente o que estou dizendo.
  - Bom, seu eu sei do que você está falando, então fale o que eu sei que você está falando.
  Minha resposta confusa o deixou confuso por algum tempo.
  - Estou tentando dizer que esperei tempo demais. Mas já sei que você vai continuar dizendo não, então não sei por que eu tento. - ele se levantou e foi embora.
  Eu sabia que o estava magoando. Sabia o quanto custava a ele ser só meu amigo, mas eu não posso enganá-lo, não posso ficar com ele sem que eu queira de verdade.
  O fato era que eu não podia viver sem ele, mas não podia viver com ele da mesma maneira que ele quer.
  - Eu sou um monstro. - murmurei para mim mesma.
  As lágrimas desceram pelo meu rosto e me aquietaram, dormi uma hora depois.

  Acordei cedo demais, eram cinco da manhã, mas eu não ia conseguir dormir mais.
  Fui até a cozinha e preparei um chá para mim.
  - Acordada há essa hora?
  Dei um pulo quando percebi que ele estava atrás de mim. Não consegui de esconder a tristeza nos meus olhos.
  - Estou sem sono. E você?
  - É o mesmo que eu ia te perguntar. Por que está assim?
  - Por que estou te deixando triste. Não gosto disso.
  - Vivi doze anos da minha vida mergulhado em tristeza, acho que aprendi a suportar.
  Eu me encolhi. Então eu estava mesmo magoando-o.
  - Alguma coisa programada para hoje? - perguntou - Tenho muitas idéias...
  - Se não se importa, eu queria ficar por aqui hoje. Minha cabeça está cheia com os últimos acontecimentos.
  - Tudo bem.
  Fui trocar de roupa.
  - Mãe?
  - Que foi Emily?
  - Eu posso sair com o Thomas hoje?
  - Sim. Portanto que não chegue aqui depois das dez.
  - Obrigada, mãe. - ela me abraçou e foi embora.
  Fiquei um bom tempo no quarto refletindo sobre tudo o que já aconteceu.

10 - Aposta

  Hoje começava a gravação do filme. Fábio roia as unhas de tanto nervosismo, quando os outros atores demonstraram o mesmo nervosismo, ele conseguiu se acalmar.
  Eu já estava acostumada com a ansiedade, então não tive problemas.
  - Vamos lá pessoal. A festa vai começar. - Eduardo anunciou.
  Todos desataram em uma conversa sem fim falando dos erros que podiam cometer e entre outras coisas. Fábio se mantinha perto de mim para não começar o nervosismo mais uma vez.
  - Silêncio! Alice, Fábio, a primeira cena é de vocês dois. Venham!
  - Eu acho que o Fábio vai ter uma parada cardíaca. - brinquei.
  - Não brinque com isso, é sério. - ele apertou minha mão.
  Todos começaram a rir.
  - Venha eu vou te ajudar. É fácil depois que você começa. - sussurrei.
  Ele me acompanhou em um ritmo lento. Quando começamos a cena, ele ficou totalmente à vontade. - o que nos aliviou de trazer médicos para cá.
  - Vocês estavam ótimos! Vejo que seu medo ajudou um pouco na cena, Fábio.
  - Pelo menos o medo serviu para isso, eu estava tremendo feito vara verde.
  - Isso não apareceu no vídeo, então deve estar exagerando.
  - Então olhe minha mão. - ele a estendeu, e estava tremendo horrores.
  - Você se acostuma. A Alice conhece muito bem esse tipo de medo e pode ajudar, não é Alice?
  - É claro que sim, Eduardo. O Fábio vai aprender muito comigo.
  - Mais do que já aprendi? Vai ser muita coisa para enfiar na minha cabeça.
  Nós rimos.
  A próxima cena, ele não faria comigo, faria com outra atriz. - o que o deixou mais nervoso - Era estranho como me incomodei quando eles se beijaram. - parecia que eu queria voar no pescoço dos dois - Estranho!
  O dia de gravação passou mais rápido do que eu podia imaginar. - conseguimos gravar três cenas sem ninguém errar o texto - O que é um milagre.
  Indo de volta para casa, eu estava soltando fumaça pelo ouvido, me segurando para não perguntar uma coisa ridícula para ele.
  Quando estávamos na sala, consegui abrir a boca:
  - Ela beija bem? - perguntei com tom de cinismo.
  - De quem você está falando?
  - Quem mais você beijou hoje além da atriz? Se for mais do que ela, não precisa me contar. - me sentei no sofá e bufei.
  - Está. Dando. Um. Ataque de ciúmes?
  Levantei surpresa.
  - Ciúmes? - minha voz estava uma oitava mais alta.
  - É o que parece.
  - Eu só te fiz uma pergunta simples: Ela beija bem? Ainda estou esperando pela resposta.
  - Beijo técnico não é bem um beijo, então não sei dizer se ela beija bem.
  - Você é um ótimo mentiroso.
  Ele veio para perto de mim e colocou a mão no meu rosto.
  - Você fica mais linda ainda com ciúmes. Sabia?
  Tirei sua mão do meu rosto e atravessei a sala.
  - Ah, qual é? Aquele beijo foi totalmente profissional. Eu nem conheço a atriz. Pelo menos pessoalmente.
  - Conheceu hoje quando estava a beijando. “Totalmente profissional”. Nem eu caio nessa.
  - Eu nunca menti para você. E você sabe que eu te amo.
  - Então pelo amor que você diz sentir por mim, olha nos meus olhos e diz que aquele beijo não significou nada.
  Ele veio ao meu encontro e olhou fundo nos meus olhos.
  - Aquele beijo não significou nada para mim.
  Seu rosto estava muito perto de mim. Desviei e me sentei de volta no sofá.
  - Bem... Isso era tudo o que eu precisava saber. Obrigada. - era mais estranho ainda como eu me senti aliviada com isso.
  - Acabou o ataque de ciúmes?
  - Chame como quiser.
  - Tudo bem: acabou o “chame como quiser”?
  - Acabou. Satisfeito?
  - Mais do que nunca.
  Fui para a cozinha e tomei um copo de água. - aquilo me irritara mais do que qualquer outra coisa - Será que era ciúmes? É claro que era ciúmes! Sou a melhor amiga dele!
  Depois de repassarmos todas as falas seguintes - quase à noite - estávamos morrendo de calor.
  - Sabe o que podia ser bom para um calor desses? - perguntei me abanando com um livro.
  - O que?
  - Dar um pulo na minha piscina.
  - E por que não fazemos isso agora?
  - Você não tem outra roupa se lembra? Seu amigo te devolveu sua casa há cinco dias.
  - Só por que eu não queria que minha casa ficasse mais empestada com o “amor” do casal, senão eu estava de inquilino aqui até agora. E eu não tenho medo de pegar uma gripe.
  - Tudo bem. As roupas são suas, você é quem vai pegar gripe, então eu não me importo. Você faz o que você quiser com você mesmo.
  - Isso mesmo. E você? Vai pular de roupa?
  - Não. Vou colocar um short e uma camiseta.
  - Não vou me incomodar se você quiser pular de biquíni.
  - Engraçadinho. - o empurrei.
  Coloquei a roupa e saí correndo atrás dele até a piscina.
  - EU VOU CHEGAR PRIMEIRO! - gritei enquanto corríamos.
  - NÃO COM ESSE PASSO DE TARTARUGA!
  Pulamos dentro da piscina e começamos a discutir:
  - Eu cheguei primeiro! - eu disse jogando água nele - Não adianta falar que não por que eu cheguei primeiro!
  - Você tem câmera de segurança aqui?
  - Tenho. Por quê?
  - Depois vamos ver o vídeo e ver quem ganhou. Topa uma aposta?
  - Claro. Se for eu que ganhei, você vai de vestido para um jantar comigo.
  - Tudo bem. - disse meio sem graça - Se for eu que ganhei você me dá um beijo!
  Mas eu ia ganhar de qualquer jeito.
  - Fechado. - apertamos as mãos.
  Ficamos discutindo sobre isso enquanto brincávamos feito crianças. Acho que eu tinha engolido mais água do que um São Bernardo com sede. Fábio também parecia estar assim. Saímos da piscina e sentamos na beira deixando só os pés na água.
  - Se eu ficar com virose, o culpado vai ser você.
  - Eu?
  - Você tem uma boa pontaria, só acertou na minha boca.
  - Você também não tem do que reclamar! Acho que tem água até nas minhas veias.
  - Fala sério!
  - É verdade.
  Eu ri. Ele se aproximou do meu rosto, mas parou no meio do caminho.
  - Vou esperar pela minha vitória!
  - Está tão certo assim de que ganhou? Eu penso totalmente o contrário.
  - Então espere até conferirmos à câmera.
  - É isso mesmo que vamos fazer agora.
  O puxei até o meu quarto. Liguei o computador e entrei na pasta dos vídeos.
  - A cada 10 minutos a câmera manda os vídeos para cá. - lhe expliquei - Acho que já deve ter chegado o vídeo de nossa “corrida”.
  Passei até essa parte: por vinte centímetros de diferença - mais ou menos - ele ganhou.
  - Eu não te falei? Eu ganhei! Ganhei! - comemorou.
  Fiquei com raiva de ter perdido para ele e ter perdido a chance de vê-lo com um vestido, mas fiquei com medo, por causa da nossa aposta.
  - Viu? Ganhei!
  - Ta legal, você ganhou. Agora cale a boca, certo?
  - Claro. Por que tenho coisa melhor para fazer com ela! Vai furar nossa aposta?
  - Sou uma mulher de palavra, apesar de querer furar nesse mesmo instante.
  - Só por que perdeu.
  - Sou má perdedora. - admiti - Não posso controlar isso.
  - Mas perdeu!
  - Vai me lembrar disso a toda hora?
  - Mas é claro que sim, senão você esquece.
  - Tenho uma memória melhor do que a sua.
  - Disso eu não posso discordar. - ele já tinha diminuído uma boa parte da distância entre nós dois - Levei muito mais tempo do que você para decorar o texto do filme.
  - Isso é um fato, pato. Que bom que você admite que tenha menos memória do que eu.
  - Sim. Sou bom nessas coisas. - ele me levantou da cadeira - Mas também sou bom em outras.
  - Tipo?
  - Ser ator.
  - Você é mesmo.
  - Te fazer rir, e principalmente te fazer chorar.
  - Devia fazer faculdade de tragédia, você também é bom nisso.
  - Quem sabe eu não faço mesmo? - riu - Vou tentar conseguir uma bolsa.
  - Você tem talento, vai conseguir!
  Ele me segurava a sua frente e qualquer movimento que eu fizesse, ele se aproximava mais de mim, até que seu nariz estava tocando o meu.
  - Vai mesmo fazer faculdade de tragédia? - perguntei meio tonta.
  - Não. - riu - Prefiro comédias e romances.
  - Eu também.
  Ele encostou os lábios nos meus. Sem conseguir me controlar, passei os braços por seu pescoço. Movi meus lábios junto com ele sem me importar com nada. - afinal ele ganhou a aposta não é? - Cedo demais, na opinião dele, eu me afastei.

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